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Supertoscanos

por Ana Wingert

A Toscana é famosa por muitas coisas — a gloriosa arte, arquitetura e cultura de Firenze e Siena, a paisagem rural fotogênica, suas belas colinas onduladas e, claro, sua comida e vinho. Com uma rica história de viticultura que remete aos etruscos no século VIII a.C., a região foi eternamente ligada ao amor pelo vinho.

Mas, mais do que apenas uma rica história de vinhos, a Toscana também é um testemunho de muita evolução, com produtores criando novos conceitos e lutando arduamente para obter aceitação oficial para seus vinhos.

Isso nos leva aos vinhos mais fascinantes e diversificados da Toscana: os Supertoscanos.

O que é um vinho Supertoscano

Supertoscano, de forma simples, é um termo que descreve vinhos brancos, rosés e tintos produzidos na região da Toscana com uvas viníferas que não são nativas da Itália – mais conhecidas como autóctones. 

Diferentemente de denominações de origem como Chianti ou Brunello di Montalcino, por exemplo, os vinhos Supertoscanos não respeitam as regras dos protocolos de produção tradicionais e são rotulados como IGT – Indicazione Geografica Tipica. As regras da IGT, por sua vez, permitem que os produtores de vinho usem uvas e técnicas de vinificação diferentes daquelas exigidas pelas denominações DOC e DOCG na Toscana.

Os Supertoscanos mais famosos vêm de Bolgheri, área com 1.370 hectares, 73 produtores e expressões únicas de terroir.

A expressão Supertoscano é mais usada informalmente e não é uma designação legal ou permitida no rótulo de uma garrafa. O nome é, em verdade, um bem-sucedido termo de marketing na indústria vitivinícola.

As características do Supertoscano

Os vinhos Supertoscanos são conhecidos por sua qualidade excepcional, complexidade e capacidade de envelhecimento. Embora não sigam um único estilo de vinificação, várias características definem esta categoria.

Uma das características dos vinhos Supertoscanos é sua mistura de variedades de uvas. Ao contrário dos vinhos toscanos tradicionais, os Supertoscanos incorporam variedades como a Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Petit Verdot e Syrah. A utilização e proporção dessas uvas pode variar significativamente, dando a cada vinho um caráter único. 

Vale destacar que os vinhos considerados Supertoscanos não são apenas aqueles produzidos com uvas não autorizadas pelas denominações de origem tradicionais da Toscana. Muitos são Sangiovese puros (“in purezza”) e, mesmo assim, são considerados Supertoscanos, pois não seguem os métodos de produção das denominações de origem.

  • A Sangiovese é a uva mais plantada na Toscana e frequentemente forma a espinha dorsal também dos vinhos Supertoscanos. Conhecida por sua alta acidez e sabores vibrantes de frutas vermelhas, dentre outros, a casta contribui com frescor e estrutura para os blends. Nos Supertoscanos, ela é comumente complementada por variedades internacionais que adicionam complexidade e profundidade ao corte. 
  • A Cabernet Sauvignon é um componente essencial em muitos Supertoscanos, valorizada por seus sabores ousados, taninos firmes e potencial de envelhecimento. Ela adiciona riqueza, estrutura e notas de frutas escuras à mistura, tornando os vinhos mais robustos e duradouros.
  • A Merlot é outra uva popular nos vinhos Supertoscanos. Reconhecida por sua suavidade e caráter frutado acessível, ela contribui com sabores de ameixa, cereja preta e chocolate, bem como com uma textura sedosa que ajuda a equilibrar as variedades mais tânicas do corte.
  • A Cabernet Franc é usada para adicionar complexidade e finesse aromática aos Supertoscanos. Ela traz notas de frutas vermelhas, ervas e especiarias, bem como uma qualidade floral distinta que realça o buquê geral do vinho.
  • A Syrah é ocasionalmente incluída em blends dos Supertoscanos, agregando especiarias apimentadas, frutas escuras e uma sensação rica e aveludada na boca. Ela pode contribuir com intensidade e profundidade, complementando as outras variedades de uvas.

Os vinhos são tipicamente encorpados e ricos, com uma estrutura tânica bem definida. Eles exibem sabores profundos e concentrados de frutas escuras, como groselha preta, amora e ameixa, frequentemente complementados por notas de especiarias, tabaco, couro e tons terrosos. O uso de barricas de carvalho francês para envelhecimento confere complexidade adicional, adicionando camadas de baunilha, chocolate e cedro.

Apesar da sua potência e intensidade, os vinhos Supertoscanos são famosos por sua elegância e equilíbrio. Os melhores exemplares alcançam uma integração harmoniosa de frutas, taninos, acidez e carvalho, resultando em vinhos que são acessíveis em sua juventude e capazes de envelhecimento a longo prazo. Esse equilíbrio os torna versáteis à mesa, combinando bem com uma variedade de alimentos, de massas a base de molho de tomate às carnes mais estruturadas.

O nascimento do primeiro Supertoscano

Há uma história relativamente longa por trás desta pergunta, mas, para manter este artigo curto e direto ao ponto, vale dizer que tudo começou com o marquês Mario Incisa della Rocchetta.

Durante a década de 1940, época da reconstrução pós-Segunda Guerra Mundial, a maioria dos vinhos italianos Chianti eram produzidos para distribuição local e em grandes quantidades. A qualidade desses vinhos era, em grande parte, ruim, mas se exigia que os produtores de vinho toscanos cumprissem regulamentações rígidas durante a produção.

Rocchetta, decepcionado com a qualidade dos vinhos e frustrado com as práticas aprovadas de produção, sentiu a necessidade de quebrar o modelo. Ele acabou importando uvas de Bordeaux, do agora famoso Chateau Lafite, e plantou suas novas videiras ao longo da Costa de Bolgheri, longe de muitos dos vinhedos daquela época. Seus vinhos, que também eram envelhecidos em carvalho francês, passaram a ser conhecidos como Sassicaia. 

Até o final da década de 1960, o vinho Sassicaia era feito apenas para consumo de alguns amigos íntimos e familiares. Porém, em 1968, Piero Antinori, que era parente de Rocchetta, o abordou e perguntou se ele poderia deixar alguns de seus distribuidores venderem seu novo produto. A família Antinori era bem conhecida não apenas na Toscana, mas na Itália como um todo. Assim, a famosa família vinícola ofereceu a Rocchetta uma oportunidade para seu novo estilo de vinho ganhar alguma exposição real. Sassicaia, então, ganhou notoriedade quase instantânea.

Ao mesmo tempo, o jovem enólogo de Antinori, Giacomo Tachis, considerado o “Pai dos Supertoscanos”, começou a trabalhar junto com o marquês Mario Incisa neste novo estilo de vinho.

Antinori levou Sassicaia um passo adiante e começou novos experimentos ao longo da costa com grande variedade de uvas. Apesar de seus esforços, os vinhos produzidos com uvas não toscanas tiveram que ser classificados como “vino di tavola” (vinho de mesa), que os consumidores na Itália consideravam como vinhos de pior qualidade.

Graças à capacidade de Piero Antinori, de provar a qualidade de seu produto por meio de um marketing inteligente, ele conseguiu cobrar preços altos por seus novos estilos. E, na verdade, a classificação IGT foi criada na Itália em 1992, grande parte devido à influência de Antinori e aos esforços bem-sucedidos na criação dos vinhos Supertoscanos.

O primeiro Sassicaia oficial foi apresentado ao mundo em 1972 com a safra de 1968. E, em apenas dois anos, o famoso crítico Luigi Veronelli se apaixonou pelo vinho e começou a promovê-lo no mercado italiano. As conquistas de Sassicaia não foram apenas nacionais, mas também internacionais.

Em uma degustação às cegas organizada pela Decanter em 1978, Sassicaia emergiu vitorioso sobre os outros Cabernets Sauvignon que vieram de todo o mundo. No entanto, foi a safra de 1985 que reconheceu oficialmente a reputação lendária de Sassicaia quando Robert Parker, pela primeira vez, concedeu 100 pontos a um vinho italiano.

No final de 2013, Sassicaia se tornou o único vinho na Itália a ter uma DOC autônoma apenas para o vinho produzido na propriedade Tenuta San Guido e ainda é o menor DOC na Itália como uma área de produção: Bolgheri Sassicaia DOC.

Curiosidade: o nome Sassicaia significa “solo de muitas pedras”.

O sucesso e prestígio dos vinhos Bolgheri

O segredo do sucesso de Bolgheri se deve a muitos fatores, contudo, certamente o mais importante é o terroir.

A combinação de condições de solo e clima com a introdução de variedades internacionais que foram raramente usadas na Toscana, mas que são bem adequadas ao clima quente e arejado da costa onde está localizada, levou Bolgheri a ser considerada a Bordeaux italiana.

O solo é rico em ferro e outros minerais, e os vinhedos mais importantes de Bolgheri estão localizados na parte inferior da colina Metallifere (Metalliferous Hills) que já no período etrusco era famosa pela extração de ferro para ser derretido nas fundições próximas de Populônia.

Bolgheri e a costa toscana também são territórios esplêndidos para visitar: eles sempre deixam uma memória vívida nas mentes dos viajantes e amantes do vinho. Isso, ao longo do tempo, contribuiu para aumentar a popularidade da área e a fama de seu vinho. É comum visitar as adegas de Bolgheri em um passeio saindo de Firenze, Siena ou Val d’Orcia.

Quanto aos vinhos brancos, a variedade mais utilizada é a Vermentino. Mas, há também outros excelentes vinhos brancos produzidos com uvas internacionais na região, como Chardonnay, Sauvignon Blanc e Viognier, sendo os mais importantes, com certeza, Grattamacco Vermentino de Collemassari e Camarcanda Vistamare de Angelo Gaja.

Opções de vinhos Supertoscanos para experimentar

De acordo com pesquisas feitas em importadoras oficiais e lojas especializadas do Brasil, segue uma lista de vinhos Supertoscanos incríveis para experimentar, divididos por faixa de preços para facilitar a escolha.

Importante registrar que poderão ocorrer variações de preços em razão do câmbio, de safras menos ou mais evoluídas e melhor avaliadas, além de promoções ou disponibilidade de estoques.

  • Supertoscanos de até R$ 500,00 – Avignonesi Grifi, Carpineto Farnito, Petra Potenti e Tenuta di Trinoro Le Cupole.
  • Vinhos na faixa de R$ 500,00 a R$ 1.000,00 -Argiano Solengo, Brancaia Ilatraia, Castello di Bolgheri, Gaja Ca’ Marcanda Promis, Il Borro, Monteverro Terra di Monteverro, Tenuta di Arceno Valadorna, Tenuta di Capezzana Ghiaie dela Furba, Tenuta Luce, Tenuta San Guido Guidalberto, Tenute di Nozzole Il Pareto e Uccelliera Rapace.
  • Supertoscanos de R$ 1.000,00 a R$ 2.000,00 – Bibi Graetz Testamatta, Casanova di Neri Pietradonice, Castello di Fonterutoli Siepi, Fattoria Le Pupille Saffredi, Gaja Ca’ Marcanda Magari, Grattamacco Bolgheri Superiore, La Massa Giorgio Primo, Le Macchiole Paleo, Marchesi Antinori Tignanello, Petrolo Galatrona, Podere Forte Guardiavigna, Podere Orma, Querciabella Camartina, Sette Ponti Oreno, Tenuta Argentiera, Tenuta Guada al Tasso, Tolaini Picconero e Tua Rita Giusto di Notri.
  • Rótulos de Supertoscanos acima de R$ 2.000,00 – Bibi Graetz Colore, Castello di Ama L’Apparita, Gaja Camarcanda Bolgheri, Guada al Tasso Matarocchio, Masseto, Masseto Massetino, Montevertine Le Pergole Torte, Ornellaia, Sassicaia, Solaia, Tenuta di Trinoro, Tua Rita Redigaffi.

Por fim, segue uma última lista com recomendações de vinhos sem referência de preços no mercado interno brasileiro. Neste caso, vale a pena tê-la em mãos quando for visitar a Itália e a região dos vinhos Supertoscanos.

  • Sem preço oficial no Brasil – Avignonesi & Capannelle 50 & 50, Caiarossa Aria di Caiarossa, Campo alla Sughera Arnione, Castello dei Rampolla D’ Alceo, Castello del Terriccio Lupicaia, Castello di Fonterutoli Concerto, Castello Vicchiomaggio FSM Federico Secondo Matta, Cipriana San Martino, Gianni Brunelli Le Chiuse di Sotto Amor Constante, Michele Satta Piastraia, Montepeloso Nardo, Nittardi Nectar Dei, Podere Sapaio Sapaio, Poggio al Tesoro Dedicato a Walter, Poggio Antico Lemartine, Poggio Antico Madre, Querciabella Palafreno, Rocca di Montegrossi Geremia, San Felice Vigorello, San Giusto a Rentennano La Ricolma, Tenuta Argentiera Ventaglio, Tenuta Campo al Mare Bolgheri, Tenuta degli Dei Cavalli, Tenuta di Arceno Arcanum, Tenuta di Biserno, Tenuta di Biserno Lodovico, Tenuta di Carleone Il Randagio, Tenuta di Lilliano Anagallis, Tenuta Il Palagio Sister Moon, Tenuta Guada al Tasso San Walfredo, Tenuta Luce Lux Vitis, Tenuta Luce Della Vite Lucente e Tolaini Valdisanti.

O mercado de vinhos Supertoscanos

Os elevados preços dos vinhos Supertoscanos podem ser atribuídos à vários fatores, incluindo: qualidade, métodos de produção, reputação e controle de mercado sobre o processo de vinificação.

A produção limitada resulta em menos garrafas disponíveis para venda, o que naturalmente aumenta o preço devido aos princípios de oferta e demanda. Por exemplo, vinhos icônicos como Sassicaia, Ornellaia e Masseto são produzidos em quantidades relativamente pequenas, tornando-os altamente procurados por colecionadores e entusiastas.

Além disto, os vinhos Supertoscanos construíram uma reputação de excelência ao longo das décadas. Eles são frequentemente comparados aos melhores vinhos de Bordeaux e outros exemplares de primeira linha do mundo todo. Essa reputação foi reforçada por pontuações consistentemente altas de críticos de vinho influentes e prêmios de prestígio, consolidando ainda mais seu status como alguns dos melhores vinhos do mundo. A associação com alta qualidade e prestígio permite, portanto, que os produtores pratiquem preços premium.

O potencial de envelhecimento dos Supertoscanos também contribui para seu alto custo. Esses vinhos são elaborados para melhorar com a idade, desenvolvendo maior complexidade e profundidade ao longo do tempo. Essa característica os torna atraentes para colecionadores que estão dispostos a pagar um valor adicional por vinhos que podem ser armazenados por várias décadas de forma plena.

A demanda por vinhos Supertoscanos é bastante grande, particularmente em mercados mais importantes como Estados Unidos, Europa e Ásia. Ademais, à medida que o consumo global por vinhos finos cresce, também cresce a competição para adquirir essas garrafas de produção limitada e prestígio mundial. 

Por fim, vale ressaltar que, sejam apreciados agora ou em uma ocasião futura, os vinhos Supertoscanos proporcionam uma experiência única e inesquecível, expressando o melhor que a Toscana tem a oferecer.

Por Olavo Castanha

Olavo Castanha é formado em Marketing e atua no mercado de bens de consumo há 30 anos. Formado em Enogastronomia pela ICIF – Italian Culinary Institute for Foreigners e Sommelier pela Associação Brasileira de Sommeliers – SP, atualmente se prepara para a próxima fase da Court of Master Sommeliers Americas.

  • Texto publicado com autorização do autor.
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Foto de capa: Tenuta San Guido

IMPORTANTE: para isenção do tributo de importação, o valor total de bens trazidos não pode ultrapassar a cota de U$ 1.000 em viagens aéreas ou marítimas e de U$ 500 em viagens terrestres ou fluviais. Compras em lojas de Duty Free não são consideradas no cálculo, mas não podem exceder à U$ 1.000.

Além de observar a cota de valor, é preciso obedecer aos limites quantitativos, que no caso de bebidas alcoólicas é de até 12 litros, o que equivale a 16 garrafas de 750ml, que podem ser compradas em vinícolas, lojas e adegas. 

Caso exceda o quantitativo, e desde que não haja finalidade comercial ou industrial, os itens serão tratados como bagagem. Entretanto, não haverá isenção de tributosCompras que ultrapassarem a cota de isenção devem ser declaradas para pagamento do tributo, sob pena de  sanções administrativas e penais.

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