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Vin Santo

por Ana Wingert

Vin Santo, o vinho de sobremesa que resume a paisagem, as pessoas e a filosofia da tradição consagrada pelo tempo.

Um vinho de sobremesa, um nome, muitas lendas

Inevitavelmente tende-se a atribuir características sagradas ao vinho doce, quando se ouve o nome Vin Santo. E isto não é totalmente inesperado, porque, segundo a lenda, um monge franciscano usou de Vin Santo para aliviar a dor e o sofrimento dos enfermos. Não bastasse isto, o vinho se mostrou ideal para eventos religiosos, pois o bom prazo de validade de uma garrafa aberta revelou-se prático quando o vinho era necessário apenas para ocasiões cerimoniais.

Outra origem para o nome do vinho doce italiano foi encontrada cerca de um século depois. No inverno de 1439, foi realizado um concílio em Firenze para tentar unificar a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa e, durante o concílio, realizaram-se vários banquetes. Um deles foi organizado no final do processo como sinal de que se havia chegado a um entendimento, quando foi servido um delicioso vinho local feito com uvas brancas secas, que nessa época se chamava “vin pretto”.

Quando o grande e imponente Basilius Bessarion, cardeal católico romano e patriarca latino de Constantinopla, levou o vinho aos lábios exclamou: “é vinho de Xanthos!”, fazendo alusão à conhecida ilha grega ou literalmente “louro” como certos vinhos de uvas passas. A palavra foi aparentemente mal compreendida e desde então o nome “Vin Santo” permaneceu.

Historiadores também suspeitam de uma ligação do termo com as Cruzadas, uma vez que, cavaleiros que provaram um vinho doce na ilha de Santorini, na travessia para a Terra Santa, descobriram um vinho semelhante na Toscana, na viagem de volta para casa, e o compararam com o vinho da ilha mediterrânea. 

Todas as lendas são plausíveis e nenhuma foi comprovada até o momento, no entanto, Vin Santo tem o mesmo sabor do passado no presente – é simplesmente celestial.

Um bem cultural da Toscana

Há algo de místico no Vin Santo. Inserido na rica história da Itália, mais especificamente da Toscana, é mais do que apenas um delicioso vinho de sobremesa. Ele resume a paisagem, as pessoas, a filosofia da tradição consagrada pelo tempo. É um símbolo de amizade e hospitalidade, sendo oferecido como protagonista dos momentos de convívio. 

Exemplo desse vínculo é a transumância de ovelhas, prática de mover rebanhos de diferentes altitudes ou regiões para melhor aproveitamento dos recursos naturais, que ocorreu na Toscana até a década de 1930. Durante esta migração, os pastores deslocavam-se do norte para o sul, parando nas propriedades dos agricultores que os aguardavam com Vin Santo, celebrando a chegada das ovelhas que fertilizavam as terras.

Na Toscana, tradicionalmente, cada família tinha três barricas deste vinho e abria uma por ano, renovando-a a cada colheita. Eram um bem comum, propriedade não só dos agricultores, mas também daqueles que trabalhavam a terra.

O que é o Vin Santo

Historicamente, Vin Santo, também conhecido por Vinsanto ou Vino Santo, e literalmente por Vinho Santo, é um termo tradicional que se refere a um grupo de vinhos de sobremesa (vinhos passito) produzidos de forma muito tradicional, especialmente na Toscana e em outras áreas do centro e norte da Itália, bem como na ilha grega de Santorini.

Na Toscana existem várias DOCs que o produzem. Algumas são exclusivamente dedicadas à sua produção e têm sua própria DOC, como o Vin Santo del Chianti Classico DOC, Vin Santo del Chianti DOC, Vin Santo di Montepulciano DOC e Vin Santo di Carmignano DOC. Outras DOCs incluem Vin Santo dentro da gama de vinhos que podem produzir.

Em sua produção são utilizadas principalmente as uvas autóctones brancas, sendo as duas mais importantes: Trebbiano Toscano e Malvasia Bianca Lunga, mas é possível encontrar também Nosiola (Trentino), Garganega (Vêneto), Trebbiano Otrugo, Melara e Santa Maria (Emília-Romagna). Quando produzido com mais de 50% da uva Sangiovese, pode ser chamado de Vin Santo Occhio di Pernice.

O Vin Santo pode variar em cor do dourado ao âmbar profundo, já o Vin Santo Occhio di Pernice apresenta uma cor rosa avermelhada. Os vinhos são intensos, aveludados e demonstram um agradável caráter oxidativo junto com aromas e sabores complexos de nozes, passas, mel, caramelo, frutas secas, como damascos ou figos, ervas e especiarias.

Embora a produção tradicional do Vin Santo esteja ameaçada pelas regulamentações modernas da União Europeia, os viticultores do vinho doce recordam a experiência dos seus antecessores na produção, produzindo Vin Santo como sempre foi feito, adaptando-se às normas, mas mantendo-se fiéis à origem. 

Para os enólogos italianos, o vinho de sobremesa Vin Santo de hoje é como era e não como o presente quer que seja. 

A produção do Vin Santo del Chianti

Após uma cuidadosa seleção na videira, os cachos de uvas são colhidos à mão e transportados para a Vinsantaia, uma área ventilada da adega, tradicionalmente correspondente ao sótão ou local elevado.

Com ventilação natural e condições ambientais favoráveis, a vinsantaia facilita a secagem lenta e uniforme das uvas.  

Os dois métodos principais de secagem das uvas são a “cannicci” (“graticci” em algumas regiões), em que as uvas ficam deitadas numa esteira ou são penduradas em suportes. O importante neste método é que tenha uma boa circulação de ar em torno dos cachos e uma distância adequada entre eles. O processo de desidratação, que é lento e suave, começa no mês de setembro e pode durar de 3 a 6 meses.  

Após o processo de secagem, chamado de appassimento, os cachos de uvas são suavemente espremidos. O mosto resultante é de cerca de 25% a 35% do peso inicial das uvas, normalmente muito denso e concentrado em açúcares.

O mosto passa por uma decantação parcial e em seguida é colocado nos “caratelli”, pequenos barris de madeira que costumam ter características singulares: geralmente são muito antigos (algumas centenas de anos), tem pequena capacidade e compostos por essências pouco comuns nos dias de hoje, tais como castanha, cerejeira e acácia. 

Os barris são preenchidos com 4/5 do seu volume total, deixando uma pequena quantidade de ar, e selados com cimento. A partir daí as leveduras que se encontram no ambiente e nos barris começam a consumir lentamente os açúcares concentrados do mosto, gerando assim a fermentação alcoólica.

O período mínimo de envelhecimento (geralmente entre dois a três anos) varia de acordo com a Denominação de Origem. No entanto, para aumentar a concentração, densidade e complexidade, os produtores tendem a envelhecer seus Vin Santo por períodos de tempo maiores do que o mínimo necessário.

Atingido o número de anos definido no processo de produção, os barris são desarrolhados e, em seguida, é feita uma mistura dos vinhos de todos os barris, de acordo com a composição e estilo do produtor. 

Na Denominação de Origem Controlada Vin Santo del Chianti é necessário um tempo de envelhecimento de pelo menos 3 anos. Para os denominados Riserva são necessários 4 anos – no mínimo.

A fase final resume-se à decantação, filtragem, uma nova decantação, e por último o engarrafamento, que resulta em vinhos expressivos, com muitos anos pela frente de evolução. 

Produtores para ter experiências memoráveis

A produção de Vin Santo ao longo dos anos tornou-se cada vez mais direcionada para o mercado especializado, que ainda se caracteriza pela baixa produção e poucos produtores.

Divididos pelas Denominações de Origem (DOC), abaixo seguem algumas recomendações de vinhos para ter na adega:

  • DOC Vin Santo del Chianti: Arrigoni ‘Pietraserena’, Carpineto ‘Farnito’, Fattoria di Grignano, Fattoria I Veroni Occhio di Pernice, Rocca delle Macìe e Santa Pacienza. 
  • DOC Vin Santo del Chianti Classico: Badia a Coltibuono, Castello di Monsanto ‘La Chimera’, Fèlsina, Isole e Olena, Mannucci Droandi ‘Ceppetto’, Marchese Antinori, Rocca di Castagnoli, Rocca di Montegrossi e Volpaia.
  • DOC Vin Santo di Carmignano: Capezzana, Fattoria Ambra e Villa Artimino.
  • DOC Vin Santo di Montepulciano: Azienda Agricola Casale ‘Il Caratello’, Contucci, Fattoria del Cero, Le Berne ‘Ada’, Poliziano e Vecchia Cantina.
  • DOC Pomino – Vin Santo Marchesi Frescobaldi.
  • DOC Sant’Antimo – Altesino, Fanti, Tenuta Il Poggione Riserva.
  • DOC Trentino – Cantina Toblino, Francesco Poli, Pisoni e Pravis.
  • PDO Santorini Vinsanto (Grécia) – Artemis Karamolegos, Estate Argyros, Gaia, Gavalas, Sigalas, Vassaltis, Venetsanos, Koutsogiannopoulos e Santo Wines.

Gino Pedrotti Vin Santo é um dos melhores vinhos produzidos no Valle dei Laghi de Trentino, onde o vento vindo do Lago de Garda garante uma secagem perfeita das uvas. É um vinho do Slow Food Presidium.

Produzido com técnicas do século XVIII transmitidas de pai para filho, uma raridade para conhecer e degustar é o Lusignani Colli Piacentini Vin Santo di Vigoleno.

Ettore Falvo é a força por trás de um dos mais importantes e tradicionais Vin Santo da Toscana. A primeira safra deste Vin Santo aclamado internacionalmente se deu em 1976 na Vinícola Avignonesi, propriedade vinícola que faz fronteira com as regiões da Toscana e Úmbria.

Serviço e tempo de guarda

A temperatura ideal para degustar Vin Santo é entre 8° e 14° C, dependendo do estilo, complexidade e envelhecimento. O vinho deve ser servido em taça de Vinho do Porto ou Jerez para desenvolver plenamente os aromas. 

Ele tem bom potencial de guarda e certamente poderá ser armazenado em adega por 10 anos ou mais. No entanto, é necessário prestar atenção ao ano de colheita, pois um vinho de sobremesa que já envelheceu há décadas em barrica não é necessariamente capaz de aguentar um longo período de armazenamento. 

Harmonizações para acompanhar o Vin Santo

Vin Santo é tradicionalmente utilizado na recepção de convidados, sendo também servido como acompanhamento de todo o tipo de ocasiões contemplativas, festividades, do café e como encerramento de um jantar acolhedor.

Historicamente é acompanhado pelos biscoitos toscanos chamados “Cantucci“, também conhecidos como “cantuccini” ou “biscotti di Prato”, que são feitos com massa de farinha, açúcar, ovos e amêndoas inteiras, tradicionalmente assados duas vezes para obter textura crocante.  

  • Dica: muitas vezes os cantucci são mergulhados no copo, mas isso deixa um resíduo quebradiço e quase intragável. Portanto, coloque um pedaço de cantucci na língua e deixe o Vin Santo passar lentamente por cima. O gosto é o mesmo e a taça permanece sem migalhas.

Bolos e doces com frutas secas harmonizam com o vinho de sobremesa italiano. O casamento do vinho Vin Santo com torta de nozes é uma combinação de sabores inesquecível e supreendente.

Outra opção é o Panforte, típico doce de Natal proveniente da região de Siena, que contém amêndoas, avelãs e frutas cristalizadas. Prove também com sobremesas de tradição toscana como Schiacciata com uva, Castagnaccio ou Zuccotto.

Vale também apostar na experiência com chocolate amargo de boa qualidade ou Tiramisù. Neste caso, o ideal é optar por um vinho mais complexo, como o Vin Santo Occhio di Pernice.

Queijos, especialmente os azuis (Gorgonzola e Roquefort), proporcionam contraste incrível com a doçura do Vin Santo, enquanto, figos são interessantes para limpar o paladar entre cada gole. Não esqueça também das frutas secas e as amêndoas, que oferecem textura crocante e uma boa combinação.

Interessantes também são as combinações com pratos salgados com amargor residual, tais como Fegatini (tradicionalmente misturado com Vin Santo), guisado renascentista, javali em dolceforte ou porco com ameixas e figos secos.

Combinar Vin Santo com Tender com mel é outra deliciosa harmonização. O sabor doce do Tender assado é perfeitamente complementado pelo sabor rico de nozes e as notas frutadas do vinho de sobremesa.

Além disto, não deixe de degustar, ao menos uma vez na vida, Vin Santo com terrine ou patês com Foie Gras. 

Vale apontar que Vin Santo é um vinho de meditação! Não deve ser tomado para uma diversão rápida, mas sim para uma viagem desacelerada ao passado, forrada de memórias aveludadas e de uma nota quase sagrada.

Por Olavo Castanha

Olavo Castanha é formado em Marketing e atua no mercado de bens de consumo há 30 anos. Formado em Enogastronomia pela ICIF – Italian Culinary Institute for Foreigners e Sommelier pela Associação Brasileira de Sommeliers – SP, atualmente se prepara para a próxima fase da Court of Master Sommeliers Americas.

  • Texto publicado com autorização do autor.
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Foto: Martino Dini

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