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Touriga Nacional

por Ana Wingert

A uva tinta mais apreciada de Portugal, Touriga Nacional tem ganhado cada vez mais projeção e é apontada como uma estrela potencial para além do Vinho do Porto.

Conheça um pouco desta casta que, embora seja mais conhecida pelo seu papel nos cortes do Vale do Douro, tem atraído comparações com a Cabernet Sauvignon durante o ressurgimento dos vinhos tintos portugueses não fortificados neste século.

A origem e parentescos da Touriga Nacional

A Touriga Nacional é provavelmente originária da região do Dão, onde foi mencionada pela primeira vez em 1822. Isto é consistente com a sugestão de que o nome Touriga deriva da Aldeia de Tourigo, a oeste de Tondela, no distrito de Viseu, no Dão. 

Ao longo dos tempos a uva portuguesa teve muitos nomes diferentes: Touriga Fina, Tourigão, Azal Tinta, Bical Tinto, Tourigo do Dão e Mortágua Preto.

Até ao final do século XIX, antes da filoxera, a Touriga Nacional representava quase 100% das castas tintas no Dão e havia plantações significativas no Douro, mas, em meados do século XX a área diminuiu drasticamente. 

Embora fosse uma variedade apreciada em todo o país pela sua produtividade, maturação precoce e resistência à doenças, tornou-se menos atrativa, pois os porta-enxertos americanos, medida tomada para evitar a propagação da filoxera, reduziram a sua produção em aproximadamente 40%, inviabilizando a produção e comercialização da variedade.

Só mais tarde, nas décadas de 50 e 60 do século XX, sua fama foi restaurada graças à estudos que concluíram que o seu vigor e produtividade poderiam ser controlados com porta-enxertos adequados e podas de acordo com o tipo de solo e sistemas de plantio menos densos.

A partir da década de 80, com a valorização da produção de vinhos de qualidade em detrimento da produção em grande escala, a Touriga Nacional voltou a ganhar destaque nacional e mundial.

De acordo com análises recentes de DNA, o cruzamento entre as uvas Touriga Nacional e a Mourisco (da Península Ibérica) originaram a Touriga Franca, outra uva bastante importante em Portugal.

Características da viticultura

A Touriga Nacional produz cachos pequenos e alongados, com bagos arredondados e não uniformes. As películas são de boa espessura e variam em cor do azul escuro ao quase preto. Adapta-se bem à diversos tipos de solos, preferindo aqueles de climas bem expostos e quentes. 

É uma casta fértil, robusta e vigorosa. Tem brotação precoce e amadurecimento intermediário. Seu rendimento é baixo com materiais não selecionados e médio para alto com seleções clonais.

Não é particularmente suscetível à doenças típicas da uva, como o oídio ou a Botrytis. Contudo, em certos anos pode sofrer de millerandage e perda de frutos, principalmente em condições de estresse hídrico.

  • Millerandage é um potencial risco para a viticultura e ocorre quando os cachos de uvas contem bagas que diferem muito em tamanho e, mais importante, em maturidade.

Onde a Touriga Nacional cresce e suas características

Originária do norte de Portugal, encontra a sua máxima difusão nas regiões do Douro e do Dão. Todavia, atualmente é cultivada em todo o país e é extremamente adaptável à diferentes ambientes. 

A Touriga Nacional é conhecida por produzir vinhos complexos e encorpados, com boa concentração de cor, taninos refinados e grande potencial de envelhecimento.

Sem a utilização de barricas proporciona vinhos elegantes e frescos. Com barricas (preferencialmente francesas ou húngaras) ganha profundidade, sem esconder a sua característica aromática. 

A sua aptidão para vinhos monovarietais é insuperável! Produz fantásticos vinhos de entrada pelo seu aroma distinto e cativante e vinhos de guarda com capacidade de envelhecimento superior à 30 anos devido à sua capacidade para aportar cor, acidez, álcool e taninos. É também esta característica que a torna uma grande casta para a produção de Vinho do Porto, uma vez que os compostos fenólicos e taninos presentes na película preservam o vinho ao longo dos anos. 

Embora seja uma casta tinta, partilha com algumas castas brancas a particularidade de ser uma casta terpénica. Esta característica confere-lhe aromas florais, nomeadamente de violetas, pétalas de rosa e flores de laranjeira. Destacam-se também os aromas de frutas vermelhas ou negras, como amora, mirtilo, framboesa e ameixa, folha de chá, menta, notas de alecrim e chocolate, além do clássico aroma cítrico de bergamota ou casca de laranja, dependendo do período de maturação.

Um pouco das principais regiões produtoras

De acordo com dados atualizados em 2022 do Instituto da Vinha e do Vinho – IVV, a Touriga Nacional é a terceira casta mais plantada em Portugal, com 13.500 hectares. Em 2010 este número girava em torno de 7.000 hectares. 

Apesar da sua origem setentrional, a uva está presente em todo o território português, desde a Bairrada, Tejo, Lisboa, Península de Setúbal, Trás-os-Montes, Açores e até mesmo no Algarve.

Douro, Dão e Alentejo são as principais regiões e respondem por mais de 70% da produção.

Na produção do Vinho do Porto, é uma das cinco castas principais, ao lado da Touriga Franca, Tinto Cão, Tinta Barroca e Tinta Roriz – mais conhecida pelo nome espanhol Tempranillo.

As opções de vinhos incríveis produzidos com a Touriga Nacional em Portugal são inúmeras. Aqui fica uma pequena seleção para abrilhantar a sua adega:

  • No Douro, prove Alves de Sousa, Batuta e Charme (Niepoort), Brunheda Vinhas Velhas, Chryseia Maçanita, Conceito, Costa Boal Family, Pintas, Quinta da Leda (Casa Ferreirinha), Quinta da Pellada, Quinta das Murças (Herdade do Esporão), Quinta de la Rosa, Quinta do Couquinho, Quinta do Crasto, Quinta do Vale Dona Maria, Quinta do Vale Meão, Quinta dos Avidagos, Quinta dos Castelares, Quinta Maria Izabel e Quinta Nova. No dão, conheça os vinhos da Quinta dos Roques. No Alentejo a Tapada de Coelheiros e a Vinha do Convento no Tejo.
  • Na Austrália a uva é normalmente referida apenas como “Touriga” nos rótulod. Está entre os dez melhores vinhos alternativos e é produzida por aproximadamente 70 produtores do país. 

Talvez tenha sido Yarra Yering quem chamou a atenção para a Touriga Nacional quando a plantou ao lado de outras quatro castas portuguesas utilizadas na produção do Vinho do Porto. O objetivo era fazer um vinho fortificado chamada Portsorts, que mais tarde foi alterado para Potsorts, já que Porto é um nome legalmente controlado. No portfólio também se encontra o Dry Red NO.3 e o New Territories, um blend de Shiraz com Touriga Nacional, ambas plantadas em 1990. 

Sendo monovarietais ou blends, a sugestão de alguns produtores de Touriga Nacional da Austrália é: Coates Wines e Vinteloper em Adelaide Hills, Seppeltsfield e Kaesler em Barossa, Precious Little de Langhorne Creek, Hither & Yon, Koomilya e S.C. Pannell em McLaren Valley, Ricca Terra de Riverland e Yarra Yering em Victoria.

  • Nos Estados Unidos mais da metade da plantação de Touriga Nacional está no Vale de San Joaquin, se estendendo até Napa. À exemplo do que ocorre na Austrália, o TTB (Departamento de Imposto e Comércio de Álcool e Tabaco) não permite que os produtores distingam entre as duas Tourigas no rótulo, apesar de ser uma prática legal para os vinhos importados.

Nem sempre fáceis de serem encontrados, alguns produtores americanos para colocar na sua lista: Duane Coates, Ficklin Vineyards, Kenneth Volk, Kompassus e o excelente Next of Kyn.

  • A Touriga Nacional chegou na África do Sul nos anos setenta. A Overgaauw Wines, perto de Stellenbosch, foi a primeira a plantar a casta no final da década de 1970, aparentemente para adicionar complexidade aos seus vinhos no estilo do Porto Vintage. Em 1992, a herdade tornou-se também a primeira do país a produzir um vinho fortificado monovarietal a partir da Touriga Nacional. 

De Krans plantou a sua primeira Touriga Nacional em 1984 e em 2000 tornou-se a primeira adega do país a produzir um vinho monovarietal a partir da casta. A produção ainda é muito limitada na África do Sul e mais da metade destas plantações estão localizadas em Swartland e Klein Karoo. Os produtores incluem Allesverloren, Boplaas e Camberley. 

  • Apesar da baixa participação na produção total, a Touriga Nacional também vem ganhando relevância no Brasil. Dentre as opções disponíveis no mercado nacional, os produtores Miolo (Single Vineyard), Hermann (Bossa), Gran Reserva (Aurora), Dal Pizzol, Foppa & Ambrosi (Cultura), Quinta da Neve, Azul (Sanabria), Armando Winemaker (Peterlongo) e o Vivalti, eleito melhor tinto na Adega Brasil Guia de Vinhos 2023 são recomendados.  

Harmonização com a Touriga Nacional 

Os vinhos elaborados à partir da casta Touriga Nacional são versáteis e acompanham muito bem carnes vermelhas, porco e cordeiro. 

Arroz de pato, cozido à portuguesa, cabrito à moda alentejana (assado e temperado com páprica doce, alho e vinho), javali ao vinho tinto, zimbro e ervas, rabada, além de tripas à moda do Porto (guisado de tripas) são excelentes opções.

Assados no forno ou na brasa, carnes como cabrito, costela de boi e pernil de cordeiro proporcionarão uma experiência fantástica. E não deixe de degustar com ensopados de carnes de caça, com sabores mais intensos, cozidos por longo tempo. 

Para os dias mais frios, vá de Shepherd’s Pie, prato tradicional britânico. A carne de cordeiro é refogada com cebola, cenoura e ervilhas, temperada com Worcestershire e ervas como tomilho e alecrim. Na sequência é coberta por purê de batatas, muitas vezes misturado com manteiga e creme de leite, e por fim vai ao forno. Um prato reconfortante!

A Touriga Nacional combina igualmente bem com especiarias e ervas refrescantes. Experimente incluir alguns destes ingredientes na sua receita: hortelã, erva-doce, pimenta preta, manjericão, salsa, tomilho, coentro ou endro. Uma Tajine de cordeiro (Tagine em inglês) ou apenas as costeletas com molho de alho e menta são alguns exemplos desta deliciosa harmonização.

Porco no rolete, leitãozinho à pururuca e até mesmo o Mushroom Wellington, uma versão vegetariana do tradicional Wellington, mas com cogumelos Portobello, mais carnudos, também podem ser indicados.

No caso dos queijos, a harmonização vai depender do processo de produção e evolução do vinho. Queijos duros e mais maturados, como Parmesão ou Pecorino, tem sabores intensos e complexos que podem complementar os taninos e a estrutura da Touriga Nacional. Os queijos azuis, dentre eles Roquefort ou Stilton podem ter bastante equilíbrio, devido a sua intensidade e complexidade. Já os queijos de pasta mole, Brie ou Camembert, com sua cremosidade podem suavizar os taninos e realçar os sabores frutados.

Por fim, se estiver na cidade do Porto, não deixe de provar vinhos de Touriga Nacional com a clássica Francesinha, um ícone da gastronomia apreciada pelos moradores locais e turistas que visitam Portugal.

Espere nos próximos anos ver mais pessoas degustando e falando sobre a Touriga Nacional.

Por Olavo Castanha

Olavo Castanha é formado em Marketing e atua no mercado de bens de consumo há 30 anos. Formado em Enogastronomia pela ICIF – Italian Culinary Institute for Foreigners e Sommelier pela Associação Brasileira de Sommeliers – SP, atualmente se prepara para a próxima fase da Court of Master Sommeliers Americas.

  • Texto publicado com autorização do autor.
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