O topo da pirâmide da produção de vinhos na Espanha, Vinos de Pago é o termo que classifica apenas 23 vinícolas no país, com regulamentação específica e autorização para o uso do termo.
Do latim, pagus significa pequena vila ou propriedade rural e é, em apertada suma, o que caracteriza um Vino de Pago, além de sua grande qualidade, por óbvio.
Idealizado para ser uma classificação superior ao mais elevado status espanhol: DOCa, o termo Vinos de Pago evidencia o empenho dos produtores espanhóis em valorizar o potencial de seus vinhedos nas últimas décadas.
A regulamentação dos Vinos de Pago
A regulamentação para o uso do termo se deu no ano 2003, a partir do qual a lei espanhola estabeleceu diretrizes e e implementou o sistema de hierarquização das denominações de origem, colocando os Vinos de Pago no topo da pirâmide.
São cinco os níveis na classificação dos vinhos espanhóis segundo sua origem: Vino de la Tierra, Vino de Calidad con Indicación Geográfica, Denominación de Origen, Denominación de Origen Calificada e Vino de Pago.
A ideia da hierarquização, como não poderia deixar de ser, é de que quanto mais alto o nível da pirâmide, mais restritivas sãos as normas de produção.
No topo e com vinhos oriundos de um vinhedo único, produzidos de acordo com as condições representativas da região, e totalmente elaborados e engarrafados dentro da propriedade, estão os Vinos de Pago.
No ano inicial da classificação, apenas dois vinhos foram elencados como Vinos de Pago – Domínio de Valdepusa e Finca Élez. Atualmente, no país 23 propriedades podem ostentar o termo Vinos de Pago, sendo a mais recente a receber a certificação em 2022 a vinícola Abadía Retuerta.
Diferentemente das demais classificações, Pago é atribuída apenas a uma única propriedade e não à região vinícola.
Critérios para obter a certificação
A propriedade que busca ser classificada como Vinos de Pago deve solicitar e atender critérios rígidos para receber o título. Mas, não só. Em geral, as propriedades devem ser também aclamadas pela crítica e possuir longa história de vinificação de vinhos de qualidade.
Segundo a lei, um Pago é uma área ou sítio rural com características edáficas e microclimáticas próprias que a diferenciam e distinguem das demais ao redor em sua Denominação de Origem, e deve estar dentro de um só município.
A legislação estabelece, ainda, que existe notória ligação com o cultivo da vinha e o nome do Pago deve ter sido utilizado habitualmente no mercado para identificar os vinhos nele obtidos por um período mínimo de cinco anos.
Caso a totalidade do Pago se enquadre no âmbito territorial de uma Denominación de Origen Calificada, ele poderá receber a designação de “vinho qualificado de pago”, e os vinhos nele produzidos serão denominados “Pago qualificado”.
Os vinhos Pago serão elaborados e engarrafados somente por quem detenha a propriedade das vinhas situadas no Pago. Todas as uvas utilizadas para o vinho devem provir de vinhas localizadas no Pago e o vinho deve ser produzido, armazenado e, se for caso, envelhecido separadamente de outros vinhos.
Um sistema de qualidade integral na produção de vinhos deve ser implementado e será aplicado desde a produção das uvas até a colocação dos vinhos no mercado. Além disso, cada Vino de Pago deve ter um órgão de gestão.
Estes critérios hierarquizam vinhos superiores ao mais elevado status espanhol: DOCa e podem, de forma ampla, ser familiarizados (por analogia e a título exemplificativo) com os vinhedos Grand Cru da Bourgogne.
Embora a lei proíba que novas vinícolas utilizem o termo Vinos de Pago na Espanha desde 2003, ainda existem no mercado alguns rótulos de marcas de vinhos chamadas de “Pagos de…” que não estão na seleta lista das 23 propriedades certificadas, em razão de terem sido registradas antes da entrada em vigor da legislação.
Outra curiosidade que pode confundir o consumidor é a criação, em 2004, da associação Grandes Pagos de España, na qual 36 propriedades visam produzir vinhos de qualidade com parâmetros similares aos aprovados em lei no ano 2003, ainda que vários deles não sejam Pagos certificados pelos órgãos governamentais.
As propriedades atualmente classificadas
Domínio de Valdepusa – um dos dois primeiros Pagos certificados em 2003, fica em Malpica de Tajo, em Toledo, e pertence à família de Carlos Falcó, o Marqués de Griñón, desde 1292. É um vinhedo único de 52 hectares, incluindo a vinha original de (14 ha) Cabernet Sauvignon plantada em 1974. A adega está situada em edifícios históricos do século XVIII e Michel Rolland está entre os seus consultores.
Finca Élez – os vinhedos com cerca de 40 hectares e vinícola do Pago Finca Élez estão localizados no município de El Bonillo, na província de Albacete. Fundada pelo prestigiado ator Manuel Manzaneque, a vinícola começou suas atividades em 1992. Manzaneque foi um dos fundadores da associação Grandes Pagos de España junto com Carlos Falcó (Dominio de Valdepusa), Paco Uribes (Calzadilla) e Victor de la Serna (Sandoval). No início de 2020 a Finca Élez foi adquirida pela família Villoldo Ruiz.
Arínzano – com 128 hectares de vinhedos, Arínzano é um dos mais célebres Vinos de Pago, que já era reconhecido anteriormente como um terroir excepcional. Sancho Fortuñones de Arínzano, conhecido como o “Señorío de Arínzano”, foi o primeiro proprietário desta terra na região de Navarra por volta de 1055, tendo recebido a propriedade do rei García de Nájera devido ao seu apoio incondicional nas guerras.
El Terrerazo – a propriedade de Terrerazo, da família Sarrión-Martínez, deu início à história da Bodega Mustiguillo em 1972. O vinho de Terrerazo já era conhecido desde 1919 na região de Utiel-Requena e a Finca El Terrerazo é o vinhedo mais antigo da propriedade, plantado basicamente com a variedade Bobal.
Aylés – fundado por Federico Ramón, que no ano da legislação deu início ao projeto de classificar a terra única como o primeiro Vino de Pago de Aragão. O vinhedo tem longa história, que remonta ao século XII.
Dehesa del Carrizal – junto ao Parque Nacional dos Cabañeros, entre as bacias do Tejo e do Guadiana, localiza-se a Dehesa del Carrizal, que recebeu a certificação de Vinos de Pago no ano 2006. O título foi concedido 30 anos após o plantio de suas primeiras videiras no município de Retuerta de Bullaque, na província de Ciudad Real.
Prado de Irache – Bodegas Irache é uma das vinícolas mais antigas de Navarra. Foi fundada em 1891, embora já no século X os monges beneditinos, que viviam no mosteiro adjacente, produzissem vinhos que serviam de alimento e cura para os peregrinos do Caminho de Santiago. Em 2008 recebeu a classificação Vino de Pago Prado de Irache, tornando-se a primeira vinícola de Navarra a ter um Pago.
Otazu – Bodega Otazu foi a primeira construída em Navarra em 1840 em um prédio de estilo renascentista. Mas as primeiras menções escritas são ainda mais antigas e datam da Reja de San Millán no século XI. Seu vinhedo foi considerado Vino de Pago desde 2009. A vinha é ladeada pelas Sierras del Perdón e Sarbil, tendo o rio Arga como limite natural da propriedade.
Campo de la Guardia – obteve a denominação de Pago Campo de La Guardia em 2009, graças ao trabalho incessante de Fausto Gonzalez. Pertencente à Bodegas Martúe, a propriedade está localizada em La Guardia de Toledo e possui dois terrenos, o Campo Martuela, com 30 hectares, cultivado em 1990, e o El Casar, com 51 hectares, plantado a partir do ano 2000.
Casa del Blanco – localizado na província de Ciudad Real de Castilla-La Mancha, a propriedade tem 150 hectares de vinhas que foram certificadas como Vino de Pago em 2010. A vinificação na propriedade remonta ao século XIII, mas está documentada a partir de 1854, ano em que Casa del Blanco passou para as mãos da família Blas Garcias. Em 1990 a propriedade foi comprada pela família Sánchez.
Calzadilla – com apenas 20 hectares no coração da Alcarria de Cuenca, a poucos quilômetros da cidade de Huete, em Castilla-La-Mancha, este é um dos menores Pagos, sendo sancionado em 2011. A Bodega Família Uribes nasceu em 1980 com pequenas instalações e não produziu vinho até 1992, ano em que comercializou Calzadilla.
Los Balagueses – recebeu a qualificação de Vino de Pago em 2011, destacando-se, entre outras características, por estar localizado no Parque Natural Hoces del Cabriel, ambiente de grande biodiversidade. Pago de los Balagueses, na região de Requena, foi o primeiro Pago ecológico da Espanha e pertence à Bodegas Vegalfaro fundada por Andrés Valiente e seu filho Rodolfo em 1999. O nome Vegalfaro vem de uma combinação da palavra “vega”, que significa terra fluvial, com o nome histórico da própria vinícola, Casa Alfaro.
Chozas Carrascal – após anos de estudo do terroir e reestruturação, a família recebeu o status de Vino de Pago em 2012 para a propriedade que fica próxima das montanhas Juan Navarro, em Requena. Embora a vinícola tenha surgido em 1990 da paixão pelo vinho do casal María José Peidro e Julián López, a origem da Chozas Carrascal é bem mais antiga. O nome da vinícola leva o apelido carinhoso pelo qual seus conterrâneos conheciam a região, “Chozas”.
Cirsus – recebeu em 2014 a certificação Vino de Pago. Pago de Cirsus, localizada no município de Ablitas, no extremo sul da de Navarra, a uma altitude de 395 metros acima do nível do mar, La Finca Bolandin tem um total de 200 hectares onde estão localizados seus vinhedos, vinícola, hotel e restaurante.
El Vicario – o vinhedo de Pago del Vicario, que abrange uma área de 130 hectares de vinhas, situa-se a 600 metros de altitude, nas margens do rio Guadiana, na região de Castilla-La Mancha.
Florentino – Em 1997 Florentino Arzuaga, proprietário e fundador da Bodegas Arzuaga, desembarcou em Castilla-La Mancha atraído pelo azeite da região de Montes de Toledo. Na região, encontrou a propriedade “La Solana”, ideal para vinhas na cidade de Malagón, província de Ciudad Real. Assim, passou a produzir o Pago Florentino com uvas Cencibel, que posteriormente recebeu o status de Vino de Pago.
Guijoso – A propriedade, adquirida em 2013, por Antonio Conesa consiste em 2000 hectares e tem tradição na produção de vinhos e queijos. Pago Guijoso fica em El Bonillo, em Albacete, onde se encontra a propriedade da Família Conesa, no coração do Campo de Montiel. O lugar é reconhecido há séculos e fica no coração da rota de Dom Quixote de La Mancha, que passa pelo próprio Pago e possui alguns dos lugares mais famosos mencionados por Cervantes, como a Cueva de Montesinos e as Lagunas de Ruidera.
La Jaraba – Pago de La Jaraba está localizado no local histórico de mesmo nome, entre Villarrobledo e El Provencio, no coração de La Mancha. O nome vem dos árabes que definiram a propriedade como: “terra abundante em água”. Lá se trabalha a agricultura holística e, além dos vinhos, produz-se azeites e o tradicionalíssimo queijo manchego.
Vallegarcía – o vinhedo foi idealizado pelo renomado professor de viticultura australiano, Richard Smart. Ele possui uma área de 50 hectares localizada na região dos Montes de Toledo. O terroir é plantado com seis variedades de uvas francesas e, em 2018, foram adicionadas três variedades espanholas. Em 2019, a propriedade foi considerada Vino de Pago.
Vera de Estenas – este Pago da região de Utiel-Requena está na área da Bodega Vera de Estenas, que pertencente a uma família de longa tradição vitivinícola. A área demarcada em 2019 estende-se por uma suave encosta que desce da Serra Juan Navarro em direção ao vale do rio Magro e da Ribeira Estenas. Lá se produzem vinhos tintos, assim como rosé e brancos.
Los Cerrillos – De propriedade das Bodegas Montalvo Wilmot, Pago Los Cerrillos foi oficializado em 2019. São 40 hectares de vinhas plantadas há mais de 40 anos a uma altitude de quase 700 metros, atravessadas de ponta a ponta pelo Rio Guadiana, na província de Ciudad Real.
Dehesa Peñalba – a Bodegas Vizar está localizada no município de Villabáñez, a leste de Valladolid, na região espanhola de Castilla y León, na fronteira com a Ribera del Duero DO. O pedido para obter a classificação de Vino de Pago para Dehesa Peñalba foi primeiramente apresentado em 2019 e aprovado em 2022. São cerca de 90 hectares de vinhas plantadas.
Abadía Retuerta – o mais recente Pago reconhecido, fica onde originalmente se localizava o Mosteiro de Santa María de Retuerta, fundado em 1146 e cuja história é reconstruída pelos proprietários desde 1988. A propriedade tem 700 hectares, dos quais 180 são de vinhas em Sardón de Duero, que fica perto do limite da denominação Ribera del Duero.
Por Ana Carla Wingert de Moraes